Enganos da arrogância,<br>medos decadentistas...
Ainda durante este Verão quente de 2010 tive de ouvir a um mestre, ou encarregado, de obras a afirmação, ao seu cliente, para o caso era eu, que o autoclismo em minha casa era recente, sim, mas já estava estragado, mesmo sendo recente, porque devia ser chinês, o canalizador tinha-me impingido uma coisa baratuxa, um autoclismo que não valia nada, ele ia substituir aquele por um bom, um artigo em condições (não chinês, acho que era o entendimento).
Pouco mais tarde, a lembrar-me aquela e outras similares afirmações, li um artigo da imprensa indiana sobre o mercado das redes móveis de terceira geração (3G) naquele país, intitulado como segue (tradução rápida feita por mim para o efeito deste texto): «Mercado indiano de equipamento 3G é um ‘banho de sangue’ »[1].
E à medida que lia o texto fui descobrindo a razão de tão bombástico texto. Com efeito, na Índia, talvez naquele que já era o mercado de telecomunicações móveis maior e mais apetitoso (pudera!) do mundo, neste ano, as «condições brutais (?) do [mesmo] mercado, ligadas com o modo cauteloso como os operadores móveis estão a actuar, estão a forçar os fabricantes/fornecedores de equipamentos/sistemas de rede de telecomunicações móveis, na Índia, a cortar os seus preços, e mesmo a oferecer gratuitamente (“for free”, sic) sistemas, com o objectivo de reter os seus clientes(...)». Isto à maneira de lead da notícia, se assim posso escrever...
E quem são estes «desgracados» fornecedores? Continuemos a seguir o artigo, na minha relativamente livre tradução comentada: «mas agora, mesmo fornecedores de topo como a Nokia Siemens Networks e a Ericsson AB (duas das multinacionais globais principais deste sector), estão a rapar nos preços e a oferecer brindes com vista a reter os operadores como seus clientes».
E num subtítulo: «Os europeus estão por detrás da pressão sobre os preços». Hum, será mesmo que pela boca morre o peixe? Até agora os maus da fita, em particular numa indústria como esta, e em geral na área das «TICs»,[2] dizia-se que os que faziam dumping, os que usufruiam de baixos custos de fabricação no seu País, os que recebiam subsídios do seu governo, etc, etc, e, por isso, têm estado a ser submetidos a processos de contenção, quer na Índia, quer nos EUA, e já também com um processo sobre os modems de banda larga na UE, até agora, dizíamos, os maus da fita eram os fornecedores chineses (ui, ui, amarelos, com olhos esquisitos, cabelos lisos, a aproveitarem-se preversamente dos naturais e esplêndidos mecanismos capitalistas...). Mas o que se estará a passar na Índia, com toda esta guerra de preços na área das telecomunicacões móveis, que até leva empresas «respeitáveis» como a Nokia Siemens Networks e a Ericsson AB a entrarem num banho de sangue? (ressalvo que continuo a seguir de perto apenas o autor indiano do artigo citado, e a comentar a maneira como estas coisas aparecem nos media - até porque o que se passa nas negociações entre fornecedores e clientes não é coisa que oficialmente seja referido em público -, e sem querer beliscar o trajecto e obra científica e tecnológica que tais empresas têm efectuado - digo-o sem nenhuma ironia, pelo contrário, ate com assertividade - para o avanço das telecomunicações no mundo).
Então, e seguindo sempre a leitura do artigo que vimos citando, é aí dito que «no passado, a pressão nos preços era frequentemente causada pelas tácticas comerciais dos vendedores de equipamento chineses (...). Mas - pelo menos na Índia - parece ter mudado a dinâmica. No mercado 3G, parece que as ofertas degoladoras para [fornecimento de] infraestruturas [de telecomunicações móveis] estão a ser efectuadas por fornecedores europeus, enquanto os fornecedores chineses estão a realçar nas ofertas os seus serviços profissionais com vista a reter e a atrair negócio nesta área».
Moral da história, e a serem verdadeiros os factos referidos relativamente ao mercado actual de infraestruturas de telecomunicações móveis de terceira geração (3G) na Índia: afinal parece que a lenda do chinês barato e bera, sem credibilidade, não é uma matéria que se possa confirmar como uma regra. E se calhar, vertiginosamente, à medida que o tempo passa, até será cada vez mais o contrário?
Será que os «ocidentais e anexos» ainda desconhecem o mundo em que já estão vivendo? Ou, cheios de medo, escondem a cabeca como a avestruz? Ou perderam já, completamente, o pé e um dia, mais próximo que longínquo, descobrem, espantadíssimos, um milagre económico novo?
[1] India's 3G Equipment Market a 'Bloodbath' Gagandeep Kaur, India Editor, Light Reading, 14.09.2010
[2] TIC – [as “famosas”] Tecnologias da informacao e Comunicacao